Frases

"[...]“Wanya” é um verdadeiro espectáculo visual e a prova cabal do grande talento de um desenhador, Nelson Dias, que infelizmente não deixou muita obra neste campo"
João Miguel Lameiras



sábado, 12 de janeiro de 2008

Vasco Granja sobre Wanya em 1973

Nelson Dias, um pintor que se sentiu atraído pela linguagem da banda desenhada, confessa-nos que este meio de comunicação é a mais específica forma de arte que conhece. Professor de Desenho na Escola Industrial e Comercial de Leiria desde 1964, Nelson Dias acaba de lançar, em edição da Assírio e Alvim aquilo que pode ser considerado o primeiro álbum de narração figurativa portuguesa de concepção moderna: Wanya - Escala em Orongo.
Dias é o autor dos desenhos e a seu lado encontra-se Augusto Mota, que escreveu o argumento deste álbum. Igualmente professor da Escola Industrial e Comercial de Leiria, Augusto Mota tem desenvolvido uma actividade constante na crítica literária e nas artes gráficas, tendo participado em diversas exposições colectivas de pintura.
Para Nelson Dias a narração figurativa é um meio eficaz de comunicação, especialmente em Portugal onde tudo está por explorar num domínio tão vasto e aliciante.
Perguntei a Nelson Dias quais os autores que mais o influenciaram na criação do seu estilo. "Não directamente", respondeu o desenhador, "mas Saga de Xam, de Nicolas Devil, representou muito para mim, estimulando-me bastante no sentido da criação gráfica. Influências de outros autores só por acaso é que as poderia sentir."
Augusto Mota, por seu lado, acha benéfico o aparecimento de Wanya - Escala em Orongo, por permitir um movimento de expectativa em torno de novos autores. Qualquer coisa talvez semelhante ao que está a passar-se em Espanha, onde nestes últimos tempos surgiram numerosos autores de estilos diversos e apresentando criações que nada têm a ver com a produção tradicional. Três anos foi quanto levou a executar este álbum aos seus autores. Claro que este prolongado período só se compreende num país onde os quadradinhos não são ainda considerados como uma manifestação artística. Mas Mota e Dias confiam na boa recepção do seu trabalho por parte do público e da crítica. Ambos estão atentos ao que de mais importante se passa em Espanha, na Itália, na França, nos Estados Unidos. Autores como Esteban Maroto, Enric Slo, Victor de La Fuente, Hernandez Palacios, José Bea, Guido Crepax, Philippe Druillet ou Robert Crumb significam muito para os dois criadores de banda desenhada. Certamente que o impacte gráfico nestes autores é frequentemente superior à validade temática das suas histórias.
Um tipo de narração figurativa tomando como base a crítica da sociedade, ou seja, uma forma de arte de intervenção social, é aquilo que preocupa Nelson Dias e Augusto Mota. Tudo isto é visível em Wanya, onde se nota uma mensagem pacifista de carácter universal, propondo-se a heroína desta história eliminar os derradeiros vestígios de uma civilização que pretende fazer da guerra a sua razão de ser. Tendo perfeita consciência dos problemas que afectam o aparecimento de um estilo português de banda desenhada, Augusto Mota e Nelson Dias sugerem em Wanya uma das vias possíveis para a concretização da actividade normal neste sector da criação artística - reflectir nos quadradinhos os problemas que preocupam o homem, servindo-se de uma concepção gráfica autónoma sem qualquer referência obrigatória às produções estrangeiras.
Wanya - Escala em Orongo é a prova evidente de que pode existir uma banda desenhada portuguesa de qualidade. Mas a última palavra cabe, como não pode deixar de ser, ao público, que decidirá se deve apoiar ou contestar o esforço de Augusto Mota e Nelson
Dias.
Texto de Vasco Granja (1973)

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