Frases

"[...]“Wanya” é um verdadeiro espectáculo visual e a prova cabal do grande talento de um desenhador, Nelson Dias, que infelizmente não deixou muita obra neste campo"
João Miguel Lameiras



sexta-feira, 11 de janeiro de 2008

Um grito na banda desenhada portuguesa




Entrevista para o Correio de Coimbra, em 22 de Fevereiro de 1973

Augusto Mota & Nelson Dias são os autores de Wanya - Escala em Orongo [....] Trata-se da primeira tentativa séria e adulta da criação de uma narrativa portuguesa de nível internacional.
Dada esta grande importância pusemos aos autores de Wanya as seguintes questões que visam, ao mesmo tempo que sugerir as linhas de força básicas da obra, despertar o leitor para esta iniciativa de ousado alcance.
[....] - A.P.P.
1. Consideram que a B.D. deve ter um suporte - ou uma intervenção - politico-social? Sobre este aspecto o que é Wanya?

Augusto Mota - Em sentido restrito não me parece condição necessária a B.D. ter suporte político social. Mas não podemos esquecer, porém, que em sentido lato, toda a obra que e posta a circular vai intervir num processo cultural, intervenção que pode estar carregada de intervenções positivas ou apenas alienantes.

Nelson Dias - Segundo este ponto de vista concordo plenamente. Wanya deve ser analisada como uma obra que não se limita a contar uma história. Esta no fundo não é mais do que um pretexto para desenvolver uma mensagem de amor e de confiança na capacidade que o Homem tem de ultrapassar o estádio guerreiro em que, afinal, se tem encontrado sempre.

2. Wanya é uma heroína ou uma mulher num mundo desconhecido? Qual o âmbito das suas intervenções?

Augusto Mota - Wanya é apenas uma mulher num mundo desconhecido e num tempo em que já não há lugar para heroísmos. Não a veremos carregada de artefactos guerreiros típicos da nossa era, antes as suas intervenções são produto de uma determinada intervenção humanista e humanizante, transposta apenas para um enquadramento que mais faz realçar tal qualidade pela oposição dos elementos em jogo. Assim Wanya nunca faz apelo à violência, mas sabe, isso sim, transmitir uma mensagem de paz, através de uma síntese visual da história guerreira de Terra, a qual serve na economia da acção para realçar a ultrapassagem de tão bárbaro estádio do desenvolvimento humano e exaltar o futuro construído de sonhos e de felizes realizações.

Nelson Dias - Exactamente. Wanya portanto não se apresenta com nenhuma das características dos heróis típicos da B.D.. As suas intervenções raramente são directas pois actua num plano mais subjectivo do que efectivo. Por assim dizer ela actua principalmente com a sua presença e a irradiação humanista que dela se desprende.

3. Se fosse possível o suficiente afastamento que a autoria vos não permite qual seria a vossa posição crítica face à obra?

Nelson Dias - Estou excessivamente metido na obra para poder tomar uma atitude crítica imparcial. Todos os meus juízos estão forçosamente influenciados pelas intenções que presidiram à execução e que até podem não estar conseguidos nalguns aspectos e mais conseguidos do que eu julgo noutros. Talvez o Mota, um pouco mais distanciado da execução, possa dizer qualquer coisa.

Augusto Mota - Parece-me um trabalho um pouco diferente do habitual, onde a relação íntima entre desenho e texto não se fica na mera ilustração das palavras, antes desenvolve uma acção paralela, esclarecedora mesmo de certa fraseologia mais carregada de intenções subjectivas.

4. Wanya será protagonista de novas aventuras ou projectam a criação de narrativas autónomas? Quais os vossos planos dentro da B.D.?

Augusto Mota - Por certo que não. Esgotar uma personagem por imperativos só-comerciais seria por certo alienante. Esgotá-la por razões de criação pura também não será muito imaginativo...Quanto a narrativas autónomas, isso sim, é provável, pois já se começa a desenhar uma hipótese que terá que amadurecer ao ritmo dos tempos que tenhamos para tal. Mas seria bom vincar que todos os futuros trabalhos serão, por assim dizer, uma continuação de Wanya...

Leiria, 22 de Novembro de 1973


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