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"[...]“Wanya” é um verdadeiro espectáculo visual e a prova cabal do grande talento de um desenhador, Nelson Dias, que infelizmente não deixou muita obra neste campo"
João Miguel Lameiras



segunda-feira, 25 de fevereiro de 2008

Wanya regressa a Orongo

Título seminal da Banda Desenhada portuguesa da década de 70 do Século XX e uma das raras incursões nacionais pela BD de ficção científica, “Wanya, Escala em Orongo” acaba de ser reeditado pela Gradiva numa edição especial numerada, lançada 35 anos depois da primeira edição e 15 anos após a morte de Nelson Dias, o desenhador.

Publicada originalmente em 1973, em plena “Primavera Marcelista”, “Wanya” é claramente filha do seu tempo, tanto em termos estéticos, como literários. Filiada numa corrente de ficção científica da Banda Desenhada francesa, em que o erotismo se alia ao comentário social, lançada pelo editor Eric Losfeld, de que “Saga de Xam”, de Nicolas Devil, é o exemplo mais importante e influência directamente assumida pelo desenhador, “Wanya” demonstra que o impacto desta obra, e de outras como a “Barbarella” de Jean-Claude Forrest, também editada por Losfeld, se fez sentir em Portugal, apesar da censura que dificultava o acesso a este tipo de BD mais adulta e “engagé”.

Curiosa história de ficção científica libertária e de ressonâncias cósmicas, “Wanya” foi apontada por alguma crítica como tendo um tom político que presagiava as mudanças ocorridas com o 25 de Abril. E, mesmo que o argumentista Augusto Mota rejeite essa visão mais panfletária, frases como “o povo veio finalmente dos subterrâneos para a superfície”, ou a semelhança fonética entre o nome de Isar, o Deus/despota iluminado cuja morte veio libertar o povo de Citânia, e o nome de Salazar, falecido anos antes, permite essas leituras.

Wanya 1
Trinta e cinco anos depois da edição original, (re)ler “Wanya” permite constatar que o texto de Augusto Mota, cujo tom solene é muitas vezes redundante em relação ao que as imagens mostram, envelheceu pior que os desenhos de Nelson Dias, cuja técnica de pontilhado, na linha de Caprioli e dos primeiros trabalhos de Esban Maroto, é impressionante. Belo exemplo da estética da Pop Art e da absorção pela BD de elementos provenientes de outras artes, bem patente na sequência de duas páginas, de que escolhi uma para ilustrar este artigo, em que Vania conta a história da Terra aos habitante de Citânia, “Wanya” é um verdadeiro espectáculo visual e a prova cabal do grande talento de um desenhador, Nelson Dias, que infelizmente não deixou muita obra neste campo.

Com a excepção de “Eternus 9″, de Victor Mesquita, 5 ou 6 anos depois, em que o trabalho de Philipe Druilllet se afirma como influência principal, “Wanya” não deixou herdeiros, afirmando-se como um dos raros exemplos de ficção científica na BD nacional, o que torna ainda mais relevante a sua existência.

A edição da Gradiva, cuja capa, bastante mais conseguida do que a da edição original da Assírio & Alvim, recupera um estudo de Nelson Dias, respeita em tudo a primeira edição, inclusive nas gralhas do texto e na diferença de grafia do nome da protagonista, que de Wanya na capa, passa a Vania no interior. O único acrescento são os três prefácios, de interesse variável, que procuram contextualizar a obra para os leitores do Século XXI.

Wanya 2
Mas, se essa preocupação de enquadrar o álbum no contexto da época em que foi criado, é louvável, tão ou mais interessante teria sido publicar num caderno a cores as seis páginas existentes de “Wanya e o Povo dos Espelhos”, a segunda aventura de Wanya que ficou incompleta, Com a excepção do catálogo da segunda Exposição que o Centro de Arte Moderna da Fundação Calouste Gulbenkian dedicou à Banda Desenhada portuguesa, essas pranchas permanecem inéditas, pelo que me parece que faria todo o sentido juntar essa história inacabada ao álbum que recupera a missão de Wanya em Orongo para uma nova geração de leitores. E mesmo em termos comerciais, parece-me que a inclusão da aventura inédita e incompleta de Wanya faria todo o sentido, pois seria uma importante mais valia que podia levar alguns dos leitores que já têm a edição da Assírio & Alvim a comprar esta nova edição.

(”Wanya: Escala em Orongo”, de Augusto Mota e Nelson Dias, Gradiva, 72 pags, 15,0 €)
(Blog: http://wanya-escalaemorongo.blogspot.com/)

Artigo escrito por: João Miguel Lameiras in http://www.drkartoon.com/blog/2008/02/19/wanya-regressa-a-orongo/

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